terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A Festa dos Remédios



Aaah, o antigo Largo dos Amores!
A foto é de 1914 (Gaudêncio Cunha) e mostra a elegância do vestuário ludovicense do início do século XX, baseado no estilo francês, com pequenas adaptações ao clima tropical de nossa capital.

Neste Largo fica a praça Gonçalves Dias, reformada recentemente, de forma fiel ao original. Ali existe um monumento portando a estátua do nosso maior poeta, além da Igreja dos Remédios, como se vê ao fundo na foto.

No século XIX e, inclusive, englobando o período da foto acima, realizava-se neste Largo uma das festas mais aguardadas pela sociedade maranhense e, principalmente, por sua juventude aristocrática. Era a oportunidade perfeita para expor novas vestimentas ao estilo europeu e flertar com possíveis pretendentes.
Senhoras e senhores aristocratas participavam ativamente dos eventos que circundavam os dias de festa; missas, cortejos, procissões, leilões, vendas dos mais variados produtos da culinária local, apresentações musicais.

A festa é descrita em detalhes no romance que inaugurou o Naturalismo no Brasil; O Mulato (1881), de Aluísio Azevedo, num diálogo entre o personagem Freitas (praticamente um monólogo de Freitas) e o protagonista Raimundo:

"Principiou expondo minuciosamente o Largo dos Remédios, com a sua ermida toda branca, seus bancos em derredor; muitos ariris, muita bandeira, muito foguete, muito toque de sino. Descreveu com assombro exagerado em que se apresentavam todos, todos! para a missa das seis e para a missa das dez, nas quais, dizia ele circunspectamente, 'reúne-se nata da nossa judiciosa sociedade!...

...O que posso lhe afiançar, Doutor, é que não há criança que, nessa tarde, não tenha a sua pratinha amarrada na ponta do lenço. Aparecem cédulas gordas, moedas amarelas; troca-se dinheiro; queimam-se charutos caros, no bazar (há um bazar) as prendas sobem a um preço escandaloso!...

...À noite, continuou o Freitas, ilumina-se todo o largo. Armam-se grandes e deslumbrantes arcos transparentes, com a imagem da santa e os emblemas do Comércio e da Navegação, que Nossa Senhora dos Remédios é padroeira do Comércio, e é este que lhe dá a festa...

...Há também, para os moleques, um pau-de-sebo, balanços e cavalinhos. É verdade! o doutor sabe o que é um pau-de-sebo?
-Perfeitamente. Tenha a bondade de não explicar..."

Como vocês notaram, até o Raimundo se cansou da conversa do Freitas.

Hoje a praça continua belíssima, e ainda conserva a antiga festa dedicada à padroeira do comércio; com algumas descaracterizações, é claro, mas mantendo a essência. E posso até dizer que este estilo de festa, de típica herança lusitana, pode ainda ser visto em algumas cidades do interior do Maranhão; só tive a oportunidade de presenciar isto quando, em 2008, fui trabalhar na Saúde de um determinado município, sediado em uma região litorânea de colonização essencialmente portuguesa e açoriana e que cultiva, até hoje, as festas dedicadas aos santos e santas, onde se vêem leilões, procissões, fogos, cortejos, missas, levantamento e derrubada de mastros. Uma verdadeira amostra de como os primórdios festivos de nossos colonizadores permanecem vivos, e bem vivos, em determinados locais.

Um comentário:

  1. Ramssés, a festa de Nossa Senhora dos Remédios ainda é realizada. Em 2004, por exemplo estava sendo comemorado o bicentenário dos festejos. Tá certo que não tem o mesmo fausto do passado, mas a festa ainda existe.

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