segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O Naufrágio do Navio Maria Celeste



"É Maria Celeste nas águas a queimar. É o sol se pondo em réstias na praia..." já dizia a maravilhosa música da Cia. Barrica do raríssimo LP de 1988; "Boizinho Barrica à luz de uma estrela", tão lindamente interpretada por Gabriel Melônio.

Pois foi exatamente este o sentimento vivido por quem testemunhou o referido acidente, o de impotência diante de uma catástrofe de proporções singulares no cotidiano ludovicense, em meio aos ares ainda pacatos do que restou da pomposa São Luís oitocentista.

O ano era 1954. A tarde do dia 16 de março deste ano jamais será esquecida; desfigurava-se em chamas diante de centenas de curiosos atônitos e em pleno Porto de São Luís, antiga Rampa Campos Melo (hoje Cais da Sagração, de onde partem as viagens de embarcações para a cidade de Alcântara), um cargueiro de fabricação paulista, o Navio Maria Celeste, então com apenas 10 anos de fabricação.

A apenas 500 metros da costa, houve uma explosão no interior do Navio provocada por problemas elétricos, ocasionando toda a catástrofe e posterior naufrágio deste. Os 54 metros de comprimentoe a capacidade de 632 toneladas de carga só ajudaram a disseminar as chamas; o navio carregava 1000 cilindros de parafina e 3000 de combustível!

O Maria Celeste ardeu em chamas durante 3 dias seguidos! O saldo não poderia ser menos trágico; aproximadamente 16 pessoas morreram no acidente e muitos saíram feridos. Pequenas embarcações presentes na baía ajudaram no resgate das vítimas, em meio à cortina tóxica de fumaça e barris em chamas sendo lançados pelo ar, como mostra o relato de Antônio Pereira Cândido, filho de um dos náufragos do navio.

Definitivamente, o acidente, cuja proporção impressionaria inclusive atualmente, mudou a rotina da centro histórico ludovicense naquele dia e nos que se seguiram. O interessante é que até bem pouco tempo podia-se notar ainda os destroços do Maria Celeste próximo ao Cais da Sagração em dias de marés muito baixas, retirados por questões óbvias de segurança. Pra onde foram levados os destroços? Só Deus sabe...

Foto: Dreyfus Nabor Azoubel, O Imparcial, 1954.

terça-feira, 7 de abril de 2009

História da Fotografia em São Luís



Um fato deveras curioso é a pobreza dos registros referentes às técnicas de captação de imagens em nossa cidade e, por conseguinte, em nosso Estado. São poucos os historiadores, tendo como uma das exceções Jomar Moraes, que tratam de forma satisfatória do assunto, apesar de sua importância e pioneirismo notado por aqui comparado a outras muitas províncias do Império.

Por esse motivo, e pelo fato de que os artigos aqui escritos buscam principalmente na reprodução de fotografias raras o seu maior atrativo, resolvi abordar o assunto da forma mais didática e prática possível, tentando dar forma à cronologia destes eventos em terras maranhenses.

Sabe-se que as técnicas de reprodução de imagem, após sua descoberta em Agosto de 1839, na França, por Louis Jacques Mandé Daguerre, não tardaram a chegar ao Maranhão. Registros históricos confirmam a presença da técnica em São Luís já em Agosto de 1846, com o "daguerreotipista" norte-americano Charles D. Fredericks, sob a razão social A. & C. D. Fredericks (o "A." referia-se ao seu acompanhente e sócio Alexander B. Weeks, que depois desligou-se da firma). Esta empresa, com seu proprietário recém-chegado de Belém, se propunha a fazer retratos coloridos de interessados da sociedade maranhense pelo processo de daguerreotipia.
Em Janeiro do ano seguinte, Fredericks ainda permanecia na cidade, oferecendo seus serviços, anunciando produtos recém-chegados de Nova York. A tabela de preços estava na média do que se cobrava em outras províncias: 5$000 os retratos pequenos e 8$000 os retratos grandes.

Ampliações, miniaturizações, cópias coloridas, assim como cobertura de eventos e ocasiões fúnebres já eram oferecidos como diferenciais da firma de Fredericks.
Deixou o Maranhão por volta de 1847. Após passar por cidades como Alcântara, São Luís, Belém, Recife, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador juntando recursos, voltou aos Estados Unidos para lá fundar, à época o maior estabelecimento fotográfico daquele país, nos anos 60 do século XIX.

Depois de Fredericks, diversos retratistas surgem anunciando seus serviços na imprensa maranhense, quase sempre de passagem, fazendo esporádicas visitas ao interior da província. Até a fixação da técnica fotográfica propriamente dita, foram notadas ao longo do tempo a técnica da daguerreotipia, da eletrotipia e da cristalografia.

Já no ano de 1866, diversos empreendimentos fotográficos de diversos gêneros já existiam com sede fixa na capital e em pontos bem localizados comercialmente. É o que mostra o Almanak administrativo, mercantil e industrial para o ano de 1866 (B. de Matos, 1866) que cita, entre outros, os nomes de Domingos Tribuzi (retrato a óleo) e José Leon Righini (paisagista e cenógrafo).

Além dos retratistas a fumo, a óleo e fumo e paisagistas, 7 profissionais eram preferidos exclusivamente como fotógrafos pela sociedade ludovicense:

Antônio de Freitas Ribeiro - Rua da Paz, 12
Antônio José de Araújo Lima - Largo do Palácio
Fortunato Ory - Largo do Palácio
Henrique Elias Neves - Rua Gonçalves Dias, 11
José dos Reis Rayol - Rua Gonçalves Dias, 102
João Luiz de Cerqueira - Rua da Saúde, 25
Justino Norat - Rua Grande, 5

Alguns destes já trabalhavam há anos em São Luís, e permaneceram no ofício por muito tempo, gozando de vasta clientela.

A partir da segunda metade dos anos 80 do século XIX surgem diversos estabelecimentos fotográficos na Capital, entre eles a Photographia União, de propriedade de Gaudêncio Cunha (fonte principal das fotos dos artigos aqui publicados) recém-chegado de Belém com João d'Oliveira Pantoja, inaugurada em 1º de Setembro de 1895, na Rua da Cruz nº. 47.

Nota-se então, uma profissionalização cada vez maior destes empreendimentos na Capital, deixando os fotógrafos de serem também amoladores de facas, vendedores de jóias ou professores de artes marciais. Outra característica importante é a sede própria obrigatória destes estúdios, dando a oportunidade aos interessados clientes do interior da província do acesso e comodidade à prestação dos serviços.

Os reflexos da Abolição da Escravatura e a crise do parque fabril maranhense comprometeram severamente a perenidade deste tipo de negócio; muitos faliram, não suportando a inadimplência e custo elevado das matérias primas.

O certo é que, ainda assim, diversos grupos ainda resistiram ao tempo, passando inclusive a tradição fotográfica pra outros familiares. Foto Popular, Brasil, Paris, Avenida, Berlim e Foto Londres eram alguns estabelecimentos notados na cidade durante a década de 50 do século XX. Outras mais surgiram e desapareceram ao longo dos anos...

Foto: Photographia União

terça-feira, 17 de março de 2009

Lord Cochrane em São Luís e a Adesão do Maranhão à Independência


Lord Thomas Alexander Cochrane, 10.° conde de Dundonald, foi um almirante escocês da Real Marinha Britânica. Nascido em Annsfield (1775), ingressou na Armada Britânica com apenas 17 anos de idade, chegando, posteriormente, a combater contra o próprio Napoleão Bonaparte, que o apelidou de Loup de Mer (Lobo do Mar), tamanha era sua ousadia e vivacidade no campo de batalha. Virou membro do Parlamento Inglês e, acusado de envolvimento com atividades fraudulentas, em 1814 foi preso e obrigado a deixar a carreira naval.

Após este período nebuloso, acabou se refugiando na América Latina, onde seus serviços foram novamente requisitados em prol das lutas independentistas deste continente contra Espanha e Portugal. O que pouca gente sabe, entretanto, é que este famoso militar teve intensa participação na Adesão Maranhense à Indepêndencia do Brasil, senão decisiva.

É sabido que a forte influência e dominação lusitana que sempre aqui existiu, aliada à nossa antiga aristocracia extremamente escravocrata e conservadora, de estreitas ligações com a Metrópole e alheia aos comandos vindos do Rio de Janeiro, fez com que o Maranhão aderisse à Independência do Brasil somente em 1823, sob forte resistência dos lusos.

Foi da Junta Governativa de São Luís, sob a liderança do Major Fidié, a intenção de reprimir os atos independentistas no Piauí. Após derrota na Batalha do Jenipapo neste Estado, Fidié foge das tropas brasileiras e se refugia em Caxias. Depois de preso, foi enviado a Portugal, onde foi recebido como herói.

Os portugueses começam, então, a perder força pela falta de apoio em diversas cidades e povoados do interior; os atos independentistas eram um caminho sem volta. Restava o recôncavo luso mais bem consolidado e resistente: a Capital!

Neste momento surge a figura de Lord Cochrane que, sob ordens do Rio de Janeiro, foi enviado para cá, afim de sufocar a resistência com uma poderosa força militar. Sua esquadra foi recebida na costa ludovicense sob o pretexto de que seria um reforço português. Foi um golpe de mestre; conseguiu de forma "tranquila" desembarcar seus homens e aprisionar alguns líderes militares lusos. Tomou o controle da cidade obrigando-a a aderir, a 28 de Julho de 1823, à Independência do Brasil. No final de Agosto, o Maranhão já se encontrava devidamente incorporado ao Império, pagando caro, a partir daí, com alguns embargos imperiais por conta de sua "teimosia".

Acredito que a memória dos lusos de São Luís para o fato foi bem curta; no mesmo período da tomada da cidade, ofereceram prontamente jantar e baile a Lord Cochrane. O local onde ocorreu a homenagem é mostrado na foto; é o Solar Cesário Veras, o sobradão à direita, ao fundo, na intersecção do Beco do Couto com a Rua do Egito.

Ao que parece é que a transição foi absorvida pelos portugueses muito mais rapidamente do que se pensa...


Foto: Guia de São Luís do Maranhão, Jomar Moraes, 1995.

domingo, 8 de março de 2009

O Caso Pontes Visgueiro


A pacata São Luís do Período Imperial foi palco de célebres crimes que, por sua repercussão e importância social e política, além de estranhas coincidências, ficaram eternizados nos anais históricos do país. Não só a opinião pública da conservadora cidade foi abalada, mas diversas instituições, algumas das quais os próprios réus e outros relacionados aos crimes faziam parte.

Neste e em outros artigos (já que os temas são vastos e de considerável envolvimento social) iremos tratar dos principais crimes ocorridos à época, dando ênfase aos acontecimentos mais interessantes que os envolvem. Pois bem.

Um caso memorável foi o chamado "Caso Pontes Visgueiro", onde a vítima, de comportamento social duvidoso, acabou se tornando "mártir" por conta dos requintes de frieza e crueldade que o envolveram .

A jovem mulata Maria da Conceição era conhecida por sua incontestável beleza (como mostra o raro bico-de-pena reproduzido acima), assim como sua leviandade, vida livre e irriquietude. Era uma prostituta festeira, e parceira de todos os momentos de estudantes, comerciários e qualquer outro disponível para suas pândegas. A conservadora sociedade ludovicense dos idos de 1870 logo apelidou-a de Mariquinhas Devassa.

Por volta do ano de 1872, o Desembargador alagoano José Cândido Pontes Visgueiro, um homem de mais de 60 anos de idade, solteiro e com deficiência auditiva, caiu de amores por Mariquinhas. Passou a ter uma desencontrada relação amorosa com a adolescente a partir de então. Residia num sobrado da Rua de São João nº. 124, hoje pertencente à Caixa Econômica Federal, onde, a 14 de agosto de 1873, aconteceu o cruel homicídio.

Pontes Visgueiro fora uma criança acometida por uma grave doença, além de traumas durante a juventude provocados por problemas familiares. Já com idade avançada, mostrava sinais de esclerose. Ao contrário, Mariquinhas sempre levou uma vida independente. Nunca se apegara a ninguém; e não seria dessa vez! Sobrevivia, desde nova, à base de pequenos furtos e esmolagem.
Naturalmente encontrou nos caprichos e presentes oferecidos por esse senhor, o comodismo necessário para apresentar-se como sua amante, frequentando-lhe a casa, muitas vezes na companhia de amigas. Esses encontros foram descritos pela comparsa Ana Rosa Pereira, de 19 anos, num dos seus depoimentos:

- Maria e a companheira deitavam-se, mas o desembargador levava toda a noite acordado, passando pelos diversos aposentos da casa e, de vez em quando, se ajoelhava junto ao leito de Maria, permanecendo em contemplação das suas formas.

Várias eram as vezes que Visgueiro a seguia pela cidade e, em muitas dessas perseguições, a encontrava nos braços de outro homem. Desentendiam-se mais logo se acertavam; nenhuma atitude extremada tinha sido tomada por ele até então. Com o tempo a situação se agravou e, pra tentar esquecer Maria, com a qual estava bastante envolvido, Visgueiro refugiou-se no interior do Piauí até julho de 1873, onde começou a arquitetar seu plano macabro com ajuda de um cafuso de nome Guilhermino.

Pontes Visgueiro retornou a São Luís, logo mandando encomendar um caixão de zinco sob a reponsabilidade do ourives e funileiro Amâncio José da Paixão Cearense, seu compadre e pai do poeta Catulo da Paixão Cearense.

No dia 10 de agosto, mais uma vez o magistrado flagrou-a inesperadamente na companhia de outro homem em sua casa na Rua de Santo Antônio. Era o estudante Joaquim Pinheiro da Costa. Inacreditavelmente, ele não mostrou qualquer reação mais violenta.

Visgueiro, nos dias seguintes, tanto aliciou Mariquinhas que esta sucumbiu ao seu convite de ir ao seu sobrado mais uma vez. Havia lhe comprado um presente. Mariquinhas aceitou o convite, mas somente na companhia de sua amiga Teresa de Jesus Lacerda.
Passaram a tarde inteira conversando, até que Mariquinhas aceitou ficar a sós com Visgueiro; Teresa voltaria mais tarde para buscá-la.

Subiram até um aposento do andar superior do sobrado para ver o suposto presente. Ali, com ajuda de Guilhermino, Pontes Visgueiro amarrou, entorpeceu e apunhalou Mariquinhas diversas vezes. Tomado pelo ódio e frenesi sanguinário, mordia-lhes os seios. Depois esquartejou-a para que o cadáver coubesse no caixão, que logo foi soldado e colocado dentro de outro caixão de cedro. Foi enterrada no quintal.

Os requintes macabros e bizarros que envolveram o crime foram também descritos no inquérito por outro cúmplice, que "viu Maria da conceição estirada no meio do soalho com os pés para a porta e a cabeça para a parede. O desembargador foi sobre ella, mordeu-a no peito e deu-lhe uma punhalada no lado oposto ao que ella já tinha outra, e ella ainda abriu a boca. Puxou o desembargador um caixão grande, que ali estava encostado, e os dois lançaram o cadáver dentro, o qual ficou ficou com as pernas da parte de fora e a cabeça um pouco inclinada. Tendo elle ido buscar, por ordem do desembargador, uma lata de cal, que estava na sala de jantar, e comprar, com 2$000, que elle lhe deu, solda e ferro de soldar, encontrou, voltando, a perna do cadaver amarrado á coxa com uma corda, que, depois, o desembargador cortou para pôr a perna em condições de decepa-la, como fez, afim de melhor arrumar o cadaver no chão, o que foi feito, enterrou um trinchete no ventre do cadaver".

Após instaurado o inquérito, o crime foi descoberto. A população revoltada apedrejou e pilhou a casa de Pontes Visgueiro, quase chegando a linchar o acusado.
Ele seguiu preso para a Corte, onde foi julgado e, orientado pelo seu advogado Franklin Doria e alegando insanidade mental, induziu o Judiciário ao erro. Foi condenado a prisão perpétua, livrando-se da inevitável pena de morte.



Bico-de-pena: Guia de São Luís do Maranhão, Jomar Moraes, 1995.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Os Passos da Quaresma



Estamos na Quaresma. Período de 40 dias compreendido entre a Quarta-Feira de Cinzas e a Semana Santa rememorando a diáspora do povo Hebreu pelo deserto, fugindo do Egito sob o comando de Moisés.
Durante o período colonial, era natural que a sociedade, de extrema educação cristã, encenasse durante este período a Via Sacra de Jesus através de um percurso que remontasse à Via Dolorosa.

Em São Luís, principalmente ao longo de todo o século XIX, existiam os Passos da Quaresma; pontos de paradas onde o cortejo dava pausas em seu prosseguimento, e onde os participantes da referida procissão encenavam, cantavam e faziam orações, em alusão às Estações da Crucificação de Jesus através das ruelas de Jerusalém.

Eram representados os 14 principais quadros da Via Sacra pelo Centro Histórico da capital porém, após anos de degradação, descaracterização e modernização do patrimônio, apenas 2 Passos ainda oferecem boas condições para a visitação, além de recuperação e conservação; um na Rua João Victal e outro na Rua Formosa (canto com a Rua Direita), pelo simples fato de constituírem construções isoladas e, por esse motivo, teoricamente menos suscetíveis a mutilações.

Há citações da existência dos resquícios de 3 outros Passos da Quaresma; um na Rua Grande nº. 87 onde tem sede a firma Ribeiro Carvalho & Cia. Ltda. (bastante descaracterizado pela platibanda, pintura, acréscimo de uma porta sanfonada e pelas modificações no seu interior), outro na parede lateral da Igreja da Sé (em frente à Praça Benedito Leite) e um último num "canto chanfrado" da Loja Maçônica Grande Oriente (voltado para a Rua de São João).

Em um trabalho intitulado Quaresmais, de Astolfo Marques (1912), a pompa e beleza das procissões de Corpus Christi foi descrita. A tradição já havia atravessado séculos; desde o período colonial e, infelizmente, nos dias atuais já não possui a grandiosidade de outrora e nem percorre os Passos como era costumeiro. O que não significa, na prática, na perda do brilho e da suntuosidade do cortejo. É a tão conhecida Procissão do Senhor Morto, que ainda arrebata muita gente e deixa as ruas centenárias por onde passa mais cheias de vida, fé e regozijo. E dessa forma a tradição se mantém; com outros coadjuvantes, é claro, mas com o mesmo Personagem Principal desde os primórdios da cidade...



Foto: Eduardo Abrahão.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A Rua Grande e sua Cronologia Urbana


O outrora Caminho Grande, Rua Oswaldo Cruz, ou mais comumente descrita, a Rua Grande.

É a rua mais movimentada e responsável por praticamente toda a fama de um dos maiores centros comerciais a céu aberto do Brasil. Mesmo estando encrustrada no Centro Histórico da capital, convive harmonicamente com empreendimentos comerciais mais modernos e contemporâneos e, ao longo de mais de três séculos de existência, nunca perdeu o seu charme e sua importância.

Milhares de pessoas caminham diariamente sobre seus palalelepípedos e através de suas inúmeras artérias e ruelas transversais, alheios à história gloriosa e importância de sua influência no traçado arquitetônico da cidade ao longo do tempo.

Pois bem. Uma publicação altamente recomendada no sentido de entender a evolução desta importante via no contexto urbano de São Luís é Rua Grande: Um Passeio no Tempo (Paulo Melo de Souza, 1992).
Na obra, que é de iniciativa da Prefeitura Municipal e de inúmeros colaboradores, a saga da Rua Grande é contada desde 1640 até os dias atuais, num texto agradável e cheio de ilustrações. Realmente uma boa oportunidade de conhecer melhor uma das nossas principais ruas antigas e com a qual mais nos identificamos quando falamos de comércio na capital.

Aqui a Cronologia da Rua Grande transcrita da obra supracitada:

1640 - Por ocasião da invasão dos holandeses, a Rua Grande já possuía 4 quadras e alguns edifícios - indo até a rua da Cruz, e já se configurava como caminho de acesso ao interior da ilha.

1665 - Governantes transformam o caminho em rua, permitindo a passagem de carros de boi, favorecendo o transporte de cargas do Centro ao Cutim.

1743 - Época da construção da Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Mulatos, sede paroquial a partir de 1805.

1844 - A Rua Grande já se estendia até a rua do Outeiro e, a partir daí, era chamada de Caminho Grande, onde existiam várias Quintas, e se prolongava até as Fortificações de proteção contra a invasão dos indígenas, nas proximidades do bairro do Monte Castelo, permanecendo como caminho de acesso à zona rural.

1855 - Em 10 de março deste ano, é concluído o calçamento, após quase três anos de serviços, durante a administração do Sr. Eduardo Olímpio Machado, custando ao governo a quantia de 14:857$530 réis.

1866 - Existiam 178 casas construídas ao longo desta via.

1867 - Novo calçamento foi realizado por João Pereira Leite, contratado por 7:760$000 réis para um trecho de 4.500 braças.

1868 - Menos de um ano depois, a 25 de maio, Dr. Jansen Ferreira fechou novo contrato para o calçamento de 1.170 braças quadradas com o Capitão-de-Engenheiros, Dr. Francisco Gomes de Sousa, no valor de 15:210$000 réis. A obra incluía os paredões para segurança de barreiras.

1897 - O governador Manuel Inácio Belfort Vieira surgiu com a idéia do assentamento das pedras com cimento.

1912 - Instalação de uma oficina em Icatu, especializada na lavra de pedras de granito no formato de paralelepípedos, usadas no calçamento das ruas.

1912 - Com a Igreja da Nossa Senhora da Conceição como sede da Freguesia do mesmo nome, a rua Grande possuía linha de bonde em toda sua extensão, indo até o Anil, e outra que cortava ligando o Largo dos Remédios até a Quinta do Matadouro (São Pantaleão), pelas ruas Rio Branco, do Passeio, e a atual rua do Norte.

1920 - Conforme Lei Municipal desta década, que exigia a construção de platibandas nas edificações, o aspecto colonial foi seriamente alterado.

1939 - Foi demolida a Igreja N. S. da Conceição, e no local foi erguido mais tarde o edifício Caiçara.

1940 - Na execução do Plano de Reforma Urbanística da cidade de São Luís, na gestão do interventor Paulo Ramos, o antigo Caminho Grande recebeu "magnífica pavimentação" e arborização. Foi feita a reforma da Praça João Lisboa e a abertura da avenida Magalhães de Almeida, com a destruição de algumas casas do início da rua Grande.

1979 - Durante a administração de Mauro Fecury, houve a segunda tentativa de fechamento da rua Grande e algumas das suas transversais, para o trânsito de veículos. A primeira tentativa foi feita durante a gestão do Major Pereira dos Santos, na década de 50, abrangendo o trecho entre a praça João Lisboa e a rua da Cruz.

1986 - O Decreto de Tombamento Estadual de uma área de 160 hectares, no Centro Histórico de São Luís, abrangeu praticamente toda a rua Grande.

1990 - A Prefeitura executa um novo projeto de urbanização para a rua, com o alargamento das calçadas, incluindo piso em placas de concreto pré-moldadas, mantendo-se a pista com paralelepípedos, prevendo a implantação das instalações por via subterrânea. Adotou-se uma política de valorização das edificações, com a recuperação das fachadas e padronização da publicidade.

Foto: Miécio Jorge, Álbum do Maranhão, 1950.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

A História do Corpo de Bombeiros em São Luís

No fim do século XIX, São Luís contava com um dos maiores conglomerados urbanos do país, além do Produto Interno Bruto, que também era grande.
Sendo assim, as mazelas de uma grande cidade brasileira às portas do século XX eram notadamente claras.

Problemas de urbanização e saneamento eram os que exigiam maiores esforços das autoridades, implicando na necessidade da instituição de órgãos que zelassem pela defesa civil.

Nesse sentido, o ponto de partida para a implantação do Corpo de Bombeiros Militar do Maranhão tem origem em 1901, com a Lei nº. 294, editada em 16 de abril do referido ano, autorizando a criação de um serviço de combate ao fogo.

Apesar da determinação, somente em 1903 o funcionamento do órgão foi oficializado num "ato do Vice-Governador do Estado à época, Alexandre Colares Moreira Júnior, que criou uma Seção de Bombeiros, encarregada do serviço de extinção de incêndios, comandada por um oficial do Corpo de Infantaria do Estado, o Alferes Aníbal de Moraes Souto. A Seção tinha, além do Comandante, um 1º Sargento, dois 2º Sargentos, um Furriel, 02 Cabos e 30 soldados." Estava formada, portanto, a primeira equipe encarregada do combate a incêndios.

Os insuficientes registros históricos impossibilitam uma maior clareza na descriçao da evolução da Instituição. Sabe-se, portanto, que o Corpo de Bombeiros do nosso Estado funcionou em diversos endereços, talvez explicando o grandioso avanço físico e estrutural ao longo do tempo, já que, no início, funcionava de forma precária e, muitas vezes, improvisada.

"Sabe-se que o mesmo funcionou na Rua da Palma, no Convento das Mercês, no centro da cidade e que durante algum tempo foi municipalizado. Em 1926, a Lei estadual Nº. 1264 incorporou a Seção de Bombeiros à Polícia Militar."

O CBMMA, nos seus primórdios, também já se instalou na Av. Gomes de Castro. O crescimento qualitativo da guarnição desde então foi fundamental para a padronização e oferta de serviços tradicionais e novos.

No governo de Paulo Ramos, foi recriada a Seção de Bombeiros, cujo efetivo recebeu, à partir daí, treinamento específico. Em 1957, o órgão passou a ser administrado pelo Estado, sob a responsabilidade da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Justiça e o grupamento deveria ter um oficial com especialização BM, segundo a Lei nº. 1138.

Hoje a Instituição comemora mais de 100 anos de existência e bons serviços prestados. A foto acima é de 1908 (Gaudêncio Cunha in Álbum do Maranhão); o recém-implantado serviço então com 5 anos de existência, já contava com uma característica bem singular, o aspecto multi-racial do seu efetivo.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Os Antigos Carnavais


São Luís, atualmente, vive um momento de resgate das características originais e primitivas do seu Carnaval.
Este folguedo tão tradicional já teve, por aqui, momentos de glória, apogeu, decadência e, ainda bem, resurgiu nas últimas décadas nas ruas da capital com força total e no melhor estilo de outrora: o de rua!

As primeiras manifestações momescas teriam aparecido em São Luís entre o final do século XVIII e o início do século XIX. E o representante maior das referidas manifestações, principalmente na segunda metade do século XIX, teria sido a brincadeira do Entrudo.

O termo surgiu em Portugal e significa "entrada", e era festejado em comemoração à entrada da primavera, antes do cristianismo. Depois da implantação do cristianismo na Europa, a data de celebração do Entrudo acabou convergindo com o período carnavalesco.

No Brasil, o Entrudo reinou absoluto no período colonial, atingindo seu apogeu durante o século XIX, "quando começou a ser preterido
em nomes dos bailes de mascarados promovidos
pelos clubes carnavalescos cariocas
conhecidos como Grandes Sociedades."

Em São Luís (o carnaval se iniciava logo após as festividades de final de ano), o Entrudo alcançou seus momentos de glória nas primeiras décadas do século XX e envolvia os mais diversos meios sociais, com características peculiares a cada um deles. Consistia numa guerra saudável entre determinados grupos, onde se usavam as "cabacinhas", pequenas bolas de fina borracha ou de cera, cheias de perfume, água colorida, farinha de trigo ou mesmo fuligem de chaminé, para atingir o oponente ou o transeunte mais desavisado.

Com o tempo, o Entrudo foi ganhando uma conotação mais agressiva e sendo hostilizado por determinados ramos da sociedade e das autoridades locais. Com o tempo, passou a ser substituído por outras formas de "interação social carnavalesca"; ao passo que o Carnaval de Clubes, Bailes de Máscaras ou mesmo bailes realizados em imóveis alugados passava a ser febre entre os foliões da capital. Entre os nomes que ficaram na história estão o Baile do Bigorrilho, o Saravá, a Gruta de Satã, o Rei Pelé, o Clube dos Sargentos e Subtenentes do João Paulo.

Foi a época áurea do "Rodó", que nada mais é do que o tão conhecido lança-perfumes, que em terras ludovicenses ganhou esta alcunha com a distorção, ao longo do tempo, do nome da marca de lança-perfumes"Rodouro", de selo "Rhodia".

O Rodó começou como forma de paquera e conquista nos Bailes, onde se jateava a solução no pescoço da(o) pretendente. Com o tempo, passou a ser utilizado como entorpecente, causando muita polêmica entre a população maranhense.

Existiam já, à epoca, inúmeras Escolas de Samba como Turma da Mangueira, Flor do Samba, Turma do Quinto e Fuzileiros da Fuzarca, todas com seu toque marcante, que acabou se perdendo com o tempo, influenciadas pelo toque das Escolas cariocas, com excessão dos Fuzileiros da Fuzarca. Tambores de Crioula, Tribos de Índio, Baralho, Caninha Verde, Fandangos, Grupos de Urso e Chegança eram também brincadeiras frequentes.

A classe média passeava nos seus carros importados, enfeitados, percorrendo as principais ruas da cidade, entoando marchas e portanto instrumentos de percussão. A classe mais humilde também fazia a sua festa; desfilava em caminhões enfeitados e adaptados ao serviço carnavalesco, com foliões sentados em fileira na carroceria. Eram os famosos "Corsos". A "Casinha da Roça" é uma adaptação rural do Corso que existe ainda hoje nas ruas durante o carnaval.

Jovens da classe média também organizavam seus blocos, usando fantasias exóticas e rostos pintados. Entre os famosos estavam Curinga (Legionários), Pif-Paf, Mal Encarados, Tarados e Vira-Latas. Alguns grupos eram integrados apenas por homens, mostrando a clara separação dos sexos no carnaval da época.

Os bailes da alta sociedade aconteciam no Casino Maranhense, no centro da cidade, depois surgiu o Lítero e o Jaguarema, que também realizaram tradicionais bailes. Às vezes, grupos representando cada um destes clubes saíam em Corso pela cidade (vide foto).

Algumas figuras carnavalescas imortalizaram-se na cidade nesta época: o Urso, o Esqueleto, o Cruz-Diabo, a Índia Potira e o Fofão, espécie de pierrot mal acabado, são ótimos exemplos disso. Infelizmente apenas o Fofão sobreviveu ao tempo...

Na década de 60, o então prefeito de São Luís, Epitácio Cafeteira, determinou o fim dos Bailes de Máscaras, que eram tradicionais na capital e, depois disso, entraram em decadência. O carnaval ludovicense começou, alguns anos mais tarde, a entrar em crise sendo, à partir de então, influenciado pelos carnavais de outras regiões do país, principalmente do Rio de Janeiro e de Salvador. As nossas Escolas de Samba, antes conhecidas como Turmas, passaram a adotar o modelo carioca, de carnaval de passarela. Até o toque das Turmas mudou!
Até meados dos anos 80, o Carnaval ludovicense havia perdido bastante de sua força, culminando na quase extinção de sua originalidade durante a década de 90. Começou, à partir daí, um movimento de resgate das origens, principalmente no que se refere ao carnaval de rua, patrocinado pelo poder público e por iniciativa privada.
Nota-se hoje, pelas ruas, o ressurgimento de muitas brincadeiras outrora extintas (inclusive o Entrudo) e, desta forma, o carnaval ludovicense vai assumindo novamente o papel que sempre teve; o de excelente carnaval de rua.
Infelizmente o caminho inverso está sendo tomado pelas cidades do interior do Estado, onde o carnaval, a não ser pela tranquilidade, não tem nada de autêntico.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A Festa dos Remédios



Aaah, o antigo Largo dos Amores!
A foto é de 1914 (Gaudêncio Cunha) e mostra a elegância do vestuário ludovicense do início do século XX, baseado no estilo francês, com pequenas adaptações ao clima tropical de nossa capital.

Neste Largo fica a praça Gonçalves Dias, reformada recentemente, de forma fiel ao original. Ali existe um monumento portando a estátua do nosso maior poeta, além da Igreja dos Remédios, como se vê ao fundo na foto.

No século XIX e, inclusive, englobando o período da foto acima, realizava-se neste Largo uma das festas mais aguardadas pela sociedade maranhense e, principalmente, por sua juventude aristocrática. Era a oportunidade perfeita para expor novas vestimentas ao estilo europeu e flertar com possíveis pretendentes.
Senhoras e senhores aristocratas participavam ativamente dos eventos que circundavam os dias de festa; missas, cortejos, procissões, leilões, vendas dos mais variados produtos da culinária local, apresentações musicais.

A festa é descrita em detalhes no romance que inaugurou o Naturalismo no Brasil; O Mulato (1881), de Aluísio Azevedo, num diálogo entre o personagem Freitas (praticamente um monólogo de Freitas) e o protagonista Raimundo:

"Principiou expondo minuciosamente o Largo dos Remédios, com a sua ermida toda branca, seus bancos em derredor; muitos ariris, muita bandeira, muito foguete, muito toque de sino. Descreveu com assombro exagerado em que se apresentavam todos, todos! para a missa das seis e para a missa das dez, nas quais, dizia ele circunspectamente, 'reúne-se nata da nossa judiciosa sociedade!...

...O que posso lhe afiançar, Doutor, é que não há criança que, nessa tarde, não tenha a sua pratinha amarrada na ponta do lenço. Aparecem cédulas gordas, moedas amarelas; troca-se dinheiro; queimam-se charutos caros, no bazar (há um bazar) as prendas sobem a um preço escandaloso!...

...À noite, continuou o Freitas, ilumina-se todo o largo. Armam-se grandes e deslumbrantes arcos transparentes, com a imagem da santa e os emblemas do Comércio e da Navegação, que Nossa Senhora dos Remédios é padroeira do Comércio, e é este que lhe dá a festa...

...Há também, para os moleques, um pau-de-sebo, balanços e cavalinhos. É verdade! o doutor sabe o que é um pau-de-sebo?
-Perfeitamente. Tenha a bondade de não explicar..."

Como vocês notaram, até o Raimundo se cansou da conversa do Freitas.

Hoje a praça continua belíssima, e ainda conserva a antiga festa dedicada à padroeira do comércio; com algumas descaracterizações, é claro, mas mantendo a essência. E posso até dizer que este estilo de festa, de típica herança lusitana, pode ainda ser visto em algumas cidades do interior do Maranhão; só tive a oportunidade de presenciar isto quando, em 2008, fui trabalhar na Saúde de um determinado município, sediado em uma região litorânea de colonização essencialmente portuguesa e açoriana e que cultiva, até hoje, as festas dedicadas aos santos e santas, onde se vêem leilões, procissões, fogos, cortejos, missas, levantamento e derrubada de mastros. Uma verdadeira amostra de como os primórdios festivos de nossos colonizadores permanecem vivos, e bem vivos, em determinados locais.

Bico-de-pena da Praia Grande

Este "bico-de-pena" do século XIX expressa todo o romantismo que emana de um dos bairros mais significativos do ponto de vista da herança colonial; a Praia Grande. Insistentemente chamado por muitos de "Projeto Reviver".

Esta era a vista noturna que se tinha à epoca do outro lado da foz do rio Anil, onde se encontra um bairro comercial muito famoso hoje em dia, o São Francisco. Em destaque encontramos as torres da Sé e as palmeiras imperiais do Palácio do Governo. A vista está bastante modificada nos adias atuais porém, continua belíssima e atrativa.

O clima de boemia ainda perdura na Praia Grande, ponto de encontro de intelectuais, turistas, artesãos, prostitutas e toda espécie de tribo urbana. O espaço é amplamente democrático e mescla atitudes e comportamentos modernos em meio a um cenário arcaico e colonial esplendoroso; você não sabe se presta atenção no chão onde se pisa ou se aprecia, boquiaberto, a arquitetura dos enormes casarões, estando, neste caso, vulnerável a uma topada num dos seculares (e duros) paralelepípedos que calçam as ruelas.