terça-feira, 17 de março de 2009

Lord Cochrane em São Luís e a Adesão do Maranhão à Independência


Lord Thomas Alexander Cochrane, 10.° conde de Dundonald, foi um almirante escocês da Real Marinha Britânica. Nascido em Annsfield (1775), ingressou na Armada Britânica com apenas 17 anos de idade, chegando, posteriormente, a combater contra o próprio Napoleão Bonaparte, que o apelidou de Loup de Mer (Lobo do Mar), tamanha era sua ousadia e vivacidade no campo de batalha. Virou membro do Parlamento Inglês e, acusado de envolvimento com atividades fraudulentas, em 1814 foi preso e obrigado a deixar a carreira naval.

Após este período nebuloso, acabou se refugiando na América Latina, onde seus serviços foram novamente requisitados em prol das lutas independentistas deste continente contra Espanha e Portugal. O que pouca gente sabe, entretanto, é que este famoso militar teve intensa participação na Adesão Maranhense à Indepêndencia do Brasil, senão decisiva.

É sabido que a forte influência e dominação lusitana que sempre aqui existiu, aliada à nossa antiga aristocracia extremamente escravocrata e conservadora, de estreitas ligações com a Metrópole e alheia aos comandos vindos do Rio de Janeiro, fez com que o Maranhão aderisse à Independência do Brasil somente em 1823, sob forte resistência dos lusos.

Foi da Junta Governativa de São Luís, sob a liderança do Major Fidié, a intenção de reprimir os atos independentistas no Piauí. Após derrota na Batalha do Jenipapo neste Estado, Fidié foge das tropas brasileiras e se refugia em Caxias. Depois de preso, foi enviado a Portugal, onde foi recebido como herói.

Os portugueses começam, então, a perder força pela falta de apoio em diversas cidades e povoados do interior; os atos independentistas eram um caminho sem volta. Restava o recôncavo luso mais bem consolidado e resistente: a Capital!

Neste momento surge a figura de Lord Cochrane que, sob ordens do Rio de Janeiro, foi enviado para cá, afim de sufocar a resistência com uma poderosa força militar. Sua esquadra foi recebida na costa ludovicense sob o pretexto de que seria um reforço português. Foi um golpe de mestre; conseguiu de forma "tranquila" desembarcar seus homens e aprisionar alguns líderes militares lusos. Tomou o controle da cidade obrigando-a a aderir, a 28 de Julho de 1823, à Independência do Brasil. No final de Agosto, o Maranhão já se encontrava devidamente incorporado ao Império, pagando caro, a partir daí, com alguns embargos imperiais por conta de sua "teimosia".

Acredito que a memória dos lusos de São Luís para o fato foi bem curta; no mesmo período da tomada da cidade, ofereceram prontamente jantar e baile a Lord Cochrane. O local onde ocorreu a homenagem é mostrado na foto; é o Solar Cesário Veras, o sobradão à direita, ao fundo, na intersecção do Beco do Couto com a Rua do Egito.

Ao que parece é que a transição foi absorvida pelos portugueses muito mais rapidamente do que se pensa...


Foto: Guia de São Luís do Maranhão, Jomar Moraes, 1995.

domingo, 8 de março de 2009

O Caso Pontes Visgueiro


A pacata São Luís do Período Imperial foi palco de célebres crimes que, por sua repercussão e importância social e política, além de estranhas coincidências, ficaram eternizados nos anais históricos do país. Não só a opinião pública da conservadora cidade foi abalada, mas diversas instituições, algumas das quais os próprios réus e outros relacionados aos crimes faziam parte.

Neste e em outros artigos (já que os temas são vastos e de considerável envolvimento social) iremos tratar dos principais crimes ocorridos à época, dando ênfase aos acontecimentos mais interessantes que os envolvem. Pois bem.

Um caso memorável foi o chamado "Caso Pontes Visgueiro", onde a vítima, de comportamento social duvidoso, acabou se tornando "mártir" por conta dos requintes de frieza e crueldade que o envolveram .

A jovem mulata Maria da Conceição era conhecida por sua incontestável beleza (como mostra o raro bico-de-pena reproduzido acima), assim como sua leviandade, vida livre e irriquietude. Era uma prostituta festeira, e parceira de todos os momentos de estudantes, comerciários e qualquer outro disponível para suas pândegas. A conservadora sociedade ludovicense dos idos de 1870 logo apelidou-a de Mariquinhas Devassa.

Por volta do ano de 1872, o Desembargador alagoano José Cândido Pontes Visgueiro, um homem de mais de 60 anos de idade, solteiro e com deficiência auditiva, caiu de amores por Mariquinhas. Passou a ter uma desencontrada relação amorosa com a adolescente a partir de então. Residia num sobrado da Rua de São João nº. 124, hoje pertencente à Caixa Econômica Federal, onde, a 14 de agosto de 1873, aconteceu o cruel homicídio.

Pontes Visgueiro fora uma criança acometida por uma grave doença, além de traumas durante a juventude provocados por problemas familiares. Já com idade avançada, mostrava sinais de esclerose. Ao contrário, Mariquinhas sempre levou uma vida independente. Nunca se apegara a ninguém; e não seria dessa vez! Sobrevivia, desde nova, à base de pequenos furtos e esmolagem.
Naturalmente encontrou nos caprichos e presentes oferecidos por esse senhor, o comodismo necessário para apresentar-se como sua amante, frequentando-lhe a casa, muitas vezes na companhia de amigas. Esses encontros foram descritos pela comparsa Ana Rosa Pereira, de 19 anos, num dos seus depoimentos:

- Maria e a companheira deitavam-se, mas o desembargador levava toda a noite acordado, passando pelos diversos aposentos da casa e, de vez em quando, se ajoelhava junto ao leito de Maria, permanecendo em contemplação das suas formas.

Várias eram as vezes que Visgueiro a seguia pela cidade e, em muitas dessas perseguições, a encontrava nos braços de outro homem. Desentendiam-se mais logo se acertavam; nenhuma atitude extremada tinha sido tomada por ele até então. Com o tempo a situação se agravou e, pra tentar esquecer Maria, com a qual estava bastante envolvido, Visgueiro refugiou-se no interior do Piauí até julho de 1873, onde começou a arquitetar seu plano macabro com ajuda de um cafuso de nome Guilhermino.

Pontes Visgueiro retornou a São Luís, logo mandando encomendar um caixão de zinco sob a reponsabilidade do ourives e funileiro Amâncio José da Paixão Cearense, seu compadre e pai do poeta Catulo da Paixão Cearense.

No dia 10 de agosto, mais uma vez o magistrado flagrou-a inesperadamente na companhia de outro homem em sua casa na Rua de Santo Antônio. Era o estudante Joaquim Pinheiro da Costa. Inacreditavelmente, ele não mostrou qualquer reação mais violenta.

Visgueiro, nos dias seguintes, tanto aliciou Mariquinhas que esta sucumbiu ao seu convite de ir ao seu sobrado mais uma vez. Havia lhe comprado um presente. Mariquinhas aceitou o convite, mas somente na companhia de sua amiga Teresa de Jesus Lacerda.
Passaram a tarde inteira conversando, até que Mariquinhas aceitou ficar a sós com Visgueiro; Teresa voltaria mais tarde para buscá-la.

Subiram até um aposento do andar superior do sobrado para ver o suposto presente. Ali, com ajuda de Guilhermino, Pontes Visgueiro amarrou, entorpeceu e apunhalou Mariquinhas diversas vezes. Tomado pelo ódio e frenesi sanguinário, mordia-lhes os seios. Depois esquartejou-a para que o cadáver coubesse no caixão, que logo foi soldado e colocado dentro de outro caixão de cedro. Foi enterrada no quintal.

Os requintes macabros e bizarros que envolveram o crime foram também descritos no inquérito por outro cúmplice, que "viu Maria da conceição estirada no meio do soalho com os pés para a porta e a cabeça para a parede. O desembargador foi sobre ella, mordeu-a no peito e deu-lhe uma punhalada no lado oposto ao que ella já tinha outra, e ella ainda abriu a boca. Puxou o desembargador um caixão grande, que ali estava encostado, e os dois lançaram o cadáver dentro, o qual ficou ficou com as pernas da parte de fora e a cabeça um pouco inclinada. Tendo elle ido buscar, por ordem do desembargador, uma lata de cal, que estava na sala de jantar, e comprar, com 2$000, que elle lhe deu, solda e ferro de soldar, encontrou, voltando, a perna do cadaver amarrado á coxa com uma corda, que, depois, o desembargador cortou para pôr a perna em condições de decepa-la, como fez, afim de melhor arrumar o cadaver no chão, o que foi feito, enterrou um trinchete no ventre do cadaver".

Após instaurado o inquérito, o crime foi descoberto. A população revoltada apedrejou e pilhou a casa de Pontes Visgueiro, quase chegando a linchar o acusado.
Ele seguiu preso para a Corte, onde foi julgado e, orientado pelo seu advogado Franklin Doria e alegando insanidade mental, induziu o Judiciário ao erro. Foi condenado a prisão perpétua, livrando-se da inevitável pena de morte.



Bico-de-pena: Guia de São Luís do Maranhão, Jomar Moraes, 1995.