Não é de hoje que o imperialismo norte-americano faz suas vítimas. O capitalismo desenfreado vindo da terra do Tio Sam e a sua capacidade de plantar investimentos colhendo logo em seguida, com rigor espartano, tudo que lhe é e não é de direito, são emblemáticos. Sendo que aqueles que não se encaixam ou mesmo ousam desafiar este método, digamos, nada ortodoxo de exploração de tudo que gere lucro em terras alheias, geralmente pagam um preço bem alto pela sua petulância e ousadia...
Uma dessas pessoas foi o humilde jovem cajapioense José de Ribamar Mendonça que, mal sabia ele, acabaria passando de réu a vítima numa trama complexa de interesses internacionais em terras brasileiras, tornando-se símbolo da resistência popular em detrimento da soberba norte-americana. O ocorrido passaria, anos mais tarde, a ter um cunho ainda mais emblemático por conta de estranhas coincidências que ligavam o assassinado a uma tradicional família de políticos americanos; família esta que sempre fora marcada pela perda de seus integrantes mediante a grandes tragédias.
1920. A população ludovicense padecia com o péssimo serviço prestado pelos bondes de tração animal. Durante o dia, o problema da falta d'água (as fontes remanescentes do período colonial já não supriam as necessidades). Durante a noite, o problema da falta de iluminação pública.
O comandante José Maria Magalhães de Almeida, genro do governador Urbano Santos, resolveu solucionar toda a questão, dos bondes à embalagem do algodão fabricado no Maranhão. Para isso, foi fechar contrato com o advogado e empreiteiro americano Henry Charles Ulen. Este havia fundado na Brodway a Ulen & Co., destinada a fazer trapalhadas para projetos governamentais e agenciar empréstimos da Bankers Trust Company. Logo o povo maranhense — sem luz, sem saneamento, bebendo água de mananciais poluídos — acreditou que um "milagre americano" fora encomendado por Urbano Santos, o que só aconteceria na administração seguinte, de Godofredo Viana, em 26 de março de 1923.
Logo o governo estadual havia contraído um empréstimo externo, provavelmente agenciado pela própria Ulen, de US$ 1, 5 milhão, e um outro interno, no valor de 2,5 milhões de contos de réis, concedido por empresários ludovicenses para a conclusão dos serviços de água, esgoto, luz e tração.
O governo transferiu para os banqueiros o valor referente ao pagamento dos juros e da amortização do empréstimo, comprometendo assim quase 40% da receita estadual. Pior, o contrato dava à Ulen plena isenção de impostos e a incumbia de fazer todo o necessário à execução dos serviços, debitando as despesas ao governo do Maranhão. É mole?A Ulen entregou as obras seis meses antes do prazo, em 1º de maio de 1923, e inaugurou o serviço de bondes elétricos em 30 de novembro de 1924. Mas havia um problema; quem administraria toda essa estrutura? O governo do estado, em um ramo totalmente desconhecido? Não mesmo. A resolução do problema não é de se admirar; contrataram nos EUA, em 9 de agosto de 1923, a Brightman & Company Incorporation.
Com total isenção fiscal, os EUA administrariam, por 20 anos, o abastecimento de água e esgoto, o fornecimento de energia, os bondes e a embalagem do algodão. O governo assumiu os custos da administração, inclusive despesas do escritório da Brightman, cuja remuneração mensal seria de 10% da renda bruta estimada. Havendo prejuízo, o governo cobriria o deficit!!! O que acontece em seguida é bem fácil de deduzir; os americanos apresentavam dia após dia déficits de caixa para o governo pagar. Virou uma bola de neve! O serviço prestado era de péssima qualidade, além do número reduzido de bondes a circular pela cidade. Logo, a população começou a protestar contra o mal serviço, atrasos e constantes aumentos de tarifa. A situação ficara complicada...
O governo argumentava que não podia romper o contrato sob o risco de pagar severa multa rescisória e indenizações. São Luís aprendera, da pior forma, que lidar com o capitalismo norte-americano em prol de uma corrida brasileira pela urbanização não era uma tarefa fácil...
A sede da Ulen ficava na esquina da rua da Estrela com a rua Direita (Henriques Leal), onde hoje está localizada a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do Estado. O escritório era chefiado por Harry Isler, e tinha como 2º homem na hierarquia John Harold Kennedy, responsável pela parte contábil da empresa. John Harold era tio de John Fitzgerald Kennedy, que se tornaria presidente dos EUA em 1961 e morreria assassinado em 1963.
Desde a instalação da Ulen em São Luís, em 1923, multiplicaram-se na cidade episódios que revelavam a arrogância, o preconceito e o desprezo de seus funcionários em relação à população ludovicence. Os brasileiros da companhia eram as principais vítimas do tratamento humilhante. Mas os maus-tratos e as atitudes prepotentes não se limitavam às dependências do escritório da Ulen. Quando saíam às ruas para "se divertir", os "gringos" promoviam quebra-quebras homéricos nos bares e arruaças diversas. O mau exemplo vinha de cima. Era conhecido do povo de São Luís o comportamento de Anne Isler, mulher do chefão da Ulen, que aterrorizava os populares quando resolvia ziguezaguear pelas ruas da cidade com seu carrão, à velocidade máxima – na época, uns 100 km/h. Além dos carros velozes, Anne nutria outra paixão: a caça. E não só de animais. Certa vez, caçando ilegalmente cotias e perdizes nas matas do Sacavém desfechou, com sua Winchester de dois canos, vários tiros num vulto que apareceu, de repente, por detrás de uma árvore. A "presa" era um guarda florestal, que teve morte instantânea. Na delegacia, questionada por um policial, Anne declarou, displicentemente: "Really, he was looking like a monkey!" ("Realmente, ele parecia com um macaco!").
O contador John Harold Kennedy não era menos petulante e grosseiro. Era ele quem cuidava da contratação e demissão dos funcionários brasileiros da Ulen, a quem tratava com modos rudes – tratamento do qual não escapavam nem mesmo aqueles que estavam na empresa desde o início, como era o caso do bilheteiro de bonde José de Ribamar Mendonça. Nas suas horas vagas, Kennedy cultivara o hábito de freqüentar o bordel de Laulita, na rua da Palma, onde gastava seus dólares bebendo uísque House, fumando cigarros Look-Strike e, naturalmente, comprando sexo. Entre as moças, sua predileta era Lurdinha, de quem provavelmente contraiu a blenorragia (doença venérea popularmente conhecida como gonorréia) diagnosticada pelo doutor José Murta, que tinha consultório à praça João Lisboa, 190.
José de Ribamar Mendonça, ao contrário dos endinheirados americanos, era um jovem humilde e de hábitos simples. Nascido em Cajapió, na Baixada Maranhense, em 1908, criou-se no campo, onde desde cedo aprendeu a cumprir suas tarefas com responsabilidade. Em 1924, aos 16 anos, migrou para São Luís disposto a ajudar a família; empregou-se, então, na Ulen como bilheteiro.
Depois do expediente, Ribamar gostava de bebericar umas doses de tiquira no botequim do Zé Sampaio, que ficava bem perto do escritório da Ulen. E, antes de ir para casa, no Beco do Couto, dava um passeio pela praça Benedito Leite, fumando cigarros Fidalgo, a marca mais popular da época. Numa dessas caminhadas, Ribamar encontrou sua amada Ita, uma graciosa adolescente de 16 anos que morava onde hoje é o Canto da Fabril.
Quando já estava perto de completar 10 anos de Ulen – o que lhe garantiria, por lei, a estabilidade no emprego – Ribamar, com 25 anos, pensou em constituir uma família com Ita. Ambos não tiveram nem tempo de sonhar. A demissão de Ribamar – sem justa causa, já que era um funcionário aplicado –, na manhã do dia 30 de setembro de 1933, fez cair por terra todos os planos do casal de concretizar uma vida a dois.Depois da demissão, Ribamar ainda procurou políticos influentes, como o ex-governador Astolfo Serra para interceder por ele, mas não adiantou. Os diretores da Ulen se mantiveram irredutíveis.
No dia 30 de setembro de 1933, o homem que se apresentou, às 17h30, no escritório da Ulen, pedindo para falar com o contador John Harold Kennedy era uma pessoa em desespero. Um jovem maranhense de 16 anos, Alberto Champoudry, atendeu Ribamar, indo chamar John Harold, que estava reunido com o chefe da seção de águas, Ghete Jansen. Ribamar esperou impassível, de pé, junto à grade que separava a sala de espera do escritório propriamente dito. Depois de alguns minutos, John Harold veio até Ribamar. Os dois trocaram poucas palavras e o norte-americano virou-se para voltar à reunião com Ghete Jansen. Nesse momento, o ex-bilheteiro sacou um revólver marca OV, niquelado, cano longo, calibre 32, e desferiu quatro tiros na direção de John Harold; só dois acertaram o norte-americano, mas foram fatais.
Perpetrado o crime, Ribamar, ainda com o revólver na mão, correu em direção à rua Afonso Pena, perseguido por uma pequena multidão. Chegando ao Departamento de Saúde e Assistência, entrou no prédio, sendo perseguido pelo cabo da Força Pública, José Caetano da Silva. Quando o cabo o alcançou, Ribamar conversava com o médico Ático Seabra. Ao ver o policial, Ribamar, calmamente, entregou-lhe a arma e disse: "Matei agora mesmo o bandido que mais me perseguia, mas não estou arrependido".O assassinato de um dos principais executivos da Ulen teve grande repercussão. Jornais do Maranhão (A Pacotilha), do sul do país (Jornal do Comércio, O Globo, ambos do Rio de Janeiro) e até dos Estados Unidos (The New York Times) deram grande destaque ao assunto. Preso, José de Ribamar Mendonça foi julgado quase sumariamente, no mesmo ano de 1933. O julgamento, como não poderia deixar de ser, teve como pano de fundo a exploração do país pelas grandes empresas internacionais. O governo norte-americano pressionou de todas as formas possíveis a Justiça Brasileira para obter a condenação de Ribamar. Subserviente, o próprio Itamaraty, para não desagradar os EUA e manter abertas as torneiras que periodicamente desaguavam milhares de dólares no país, também se empenhou pela condenação do réu.
Apesar de todas as pressões, José de Ribamar Mendonça foi absolvido em dois julgamentos (o primeiro, por 5 a 2; o segundo, por unanimidade), graças principalmente à atuação do fantástico advogado maranhense Waldemar de Brito, um dos maiores criminalistas de sua época. Sem emprego e sem amor – a bela Ita se afastou, em meio ao turbilhão desencadeado pelo crime –, Ribamar partiu para o Rio de Janeiro, onde conseguiu um emprego como cobrador, na empresa Atlantic. Estava claro que José de Ribamar queria se livrar do pesadelo chamado Ulen, começar vida nova, esquecer de tudo. Mas o implacável "polvo" norte-americano não o esqueceu; em 19 de janeiro de 1944, mais de dez anos depois do crime, ele foi novamente preso, dentro da própria Atlantic, como resultado de um conluio entre o Itamaraty e a Embaixada Americana. Transferido do Rio para São Luís, Ribamar sequer chegou a ser julgado: Waldemar de Brito o livrou definitivamente com um habeas-corpus, em 29 de maio de 1944.
Dez dias depois, Ribamar embarcava de volta ao Rio e ao seu emprego na Atlantic. Lá, o assassino de John Kennedy ficou até morrer, fulminado prematuramente por um ataque cardíaco, em 22 de março de 1952, aos 44 anos. Mesmo com a vida marcada por um inimigo longínquo que a tudo fere sem pena, havia já vencido a sua guerra, estava em paz...FOTO: O Crime da Ulen. Documentário DocTV 3. Murilo Santos (jmsmura@uol.com.br).
http://www.youtube.com/watch?v=zpzDB4nNzSI&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=hQPoYqDLsOI
FONTE:
http://www.anovademocracia.com.br/no-37/126-o-crime-e-a-inocencia-de-jose-ribamar
http://www.jornalpequeno.com.br/2005/3/12/Pagina12553.htm
Em 1938, por iniciativa e patrocínio de Mário de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura de São Paulo (atual Secretaria Municipal de Cultura), um grupo de pesquisadores, antropólogos e técnicos percorreu vários Estados do Norte e Nordeste coletando material aúdio-visual, além de artefatos pertencentes a diversas manifestações culturais. Esta iniciativa sem precedentes no Brasil até então ficou conhecida como a Missão de Pesquisas Folclóricas.
A intenção era registrar com a maior riqueza de detalhes possível para a posteridade as diversas manifestações antes de sua total descaracterização com o crescente urbanismo do país à época.
Em sua passagem por São Luís, em meados de 1938, a Missão de Pesquisas Folclóricas fez importantes registros áudio-visuais. Foram registrados o Tambor de Crioula, o Tambor de Mina, o Bumba-meu-boi e o Carimbó.
A Missão passou por aqui em um período de grande repressão aos terreiros e a outros tipos de manifestações populares portanto, os registros foram feitos fora do perímetro urbano, nos arrabaldes, onde se faziam os cultos e as brincadeiras, e sob a autorização da Chefatura de Polícia. Por esse motivo, algumas informações mais escassas e poucos detalhes em determinados registros, como o Bumba-meu-boi e o Tambor de Crioula, podem ser notados.
O primeiro registro feito em São Luís foi o do Tambor de Crioula, em um terreiro não identificado, no bairro do João Paulo. O Tambor de Mina foi registrado também no mesmo bairro, no terreiro de Maximiliana Silva, como mostra a foto acima de uma participante em transe.
O Carimbó, manifestação marcadamente paraense, também foi registrado em pleno Centro de São Luís, com uma brincante fazendo evoluções coreográficas, acompanhada de um solo de marimba (berimbau). Já o Bumba-meu-boi foi registrado, ao que tudo consta, somente em aúdio, sem maiores identificações; mas tudo leva a crer, através da audição das faixas, de que se trata de algum grupo do Sotaque da Ilha (Matraca), com marcação bem semelhante porém, um pouco mais rústica da notada atualmente.
A Missão de Pesquisas Folclóricas foi responsável pelo 1º registro em mídia dessas manifestações maranhenses e sua contribuição sócio-cultural e antropológica é sem precedentes no Brasil em termos de amplitude e riqueza de material.
Um vídeo sobre o registro do Tambor de Mina em São Luís está disponível no YouTube aos que quiserem se aprofundar mais no assunto:
http://www.youtube.com/watch?v=8yFOfsiux4Q
FOTO:
Tambor de Mina (transe de uma assistente da cerimônia), 17 de Junho de 1938.
FONTE:
http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/missao/index.html
Poucos entre os que vêem a cidade de São Luís atualmente tomada de veículos sabem a verdadeira saga destas máquinas em terras timbiras. Nesse sentido, transcrevo para o blog um artigo interessantíssimo da Revista Ventura, escrito por Fernando Silva, sobre o primeiro veículo importado para o Estado, ainda em 1905, pelo industrial Joaquim Moreira Alves dos Santos, o popular Nhozinho Santos que, entre essa e outras coisas, também foi responsável pela introdução do futebol no Maranhão. Mas isso é assunto para um outro artigo. Eis o texto:
"O tempo era o do fraque e da cartola! Carruagens e tílburis circulavam pelas ruas de São Luís, conduzindo cavalheiros e circunspectos e damas de estirpe. Bondes puxados por parelhas de muares ligavam o centro da cidade à Madre Deus, aos Remédios e ao Caminho Grande. Locomotivas a vapor impulsionavam trens demandando a Vila do Anil. O Maranhão crescia e progredia. Na capital, funcionavam o serviço telefônico e a comunicação telegráfica via Cabo Submarino, o algodão liderava a pauta dos produtos de exportação, vapores singravam nossos rios transportando passageiros e mercadorias, “paquetes” aportavam no ancoradouro da Beira-Mar, as casas comerciais da Praia Grande vendiam ao mundo e compravam do mundo, e negociantes investiam na indústria. Em 1894, somente no setor têxtil, encontravam-se em funcionamento no Maranhão, doze fábricas, nove em São Luís, duas em Caxias e uma em Codó. Os ludovicenses freqüentavam a sorveteria de Adolpho Cohen na rua Formosa, o Café Riche, de Lino Moreira, a Praça de Touros no Anil, o Velódromo no Tivoli, o Hipódromo no Campo d’Ourique, as quermesses no Largo do Carmo e no Largo dos Remédios, os salões de dança do Clube Euterpe Maranhense e também assistiam a espetáculos de companhias estrangeiras no Theatro São Luís. O intercâmbio comercial e cultural, o recebimento de jornais, de revistas e da correspondência dos filhos que aprimoravam conhecimentos em Portugal, França, Inglaterra e Alemanha, mantinha a elite maranhense informada das novidades que afloravam no Velho Continente. As antigas, enormes e pesadas “carruagens sem cavalos”, movidas pelo barulhento e fumacento motor a vapor, (iguais àquela que Joaquim Nabuco de Araújo possuiu no Rio de Janeiro e foi destruída num abalroamento, quando dirigida por Olavo Bilac), estavam sendo substituídas por um veículo de carroceria leve, design moderno e motor a explosão de petróleo – invenção dos alemães Karl Benz e Gottlieb Daimler. Surgia o “automobile”, em português, automóvel. No Brasil, o automóvel chegou na década de 90, do século XIX. Em 1891, em São Paulo, Alberto Santos Dumont passeava num Peugeot, motor de 3,5 HP, comprado por seu pai na Usina de Valentigney, na França. Em 1900, no Rio de Janeiro, o engenheiro Fernando Guerra Duval importou um Decauville. Naquele mesmo ano, José Henrique Lanat, industrial francês radicado em Salvador, recebeu um Clément. No Maranhão, o introdutor do automóvel foi nosso conterrâneo Joaquim Moreira Alves do Santos, o “Nhozinho Santos”, como era carinhosamente chamado pela família e pelos amigos. Em novembro de 1905, regressando à terra natal, formado técnico em indústria têxtil, na cidade de Liverpool – Inglaterra, “Nhozinho Santos” trouxe na bagagem a maravilha tecnológica da época: um automóvel inglês Speedwell, modelo Phaeton (um “open touring car” ou carro descapotável para passeio), de quatro lugares, motor De Dion Bouton, monocilíndrico, a gasolina.
Antevendo o sucesso que o automóvel faria em São Luís, tomou a iniciativa de ensinar alguns empregados da sua empresa Fabril, a dirigir. Os dois primeiros habilitados, Sebastião Raimundo dos Santos e Otaciano Pereira, tornaram-se chauffeurs profissionais, desempenhando aquela atividade até quando a idade permitiu. Sebastião foi proprietário de automóvel de praça, e seu último carro, um reluzente Mercury, cinza claro, ano 1951, fazia ponto no Posto Vitória. Otácio, nome com o qual Otaciano ficou conhecido, trajava impecável farda inseparável képi da mesma cor. Ao longo de muitos anos, foi motorista particular do industrial Adhemar Maia de Aguiar. À frota de quatro veículos, três automóveis e um auto-ônibus, então existente no primeiro decênio do século XX, com o curso dos anos, incorporaram-se novos exemplares fabricados na Europa. Em 1914, já havia uma empresa local explorando os serviços de aluguel de automóveis. Naquele ano, no dia 17 de abril, aconteceu o primeiro acidente de trânsito em São Luís. Um automóvel da firma Teixeira & Branco, conduzindo em seu interior o desembargador Bezerra de Menezes, descia com velocidade adequada a rua do Sol. Aproximando-se o veículo da rua dos Craveiros, surgiu repentinamente um menor correndo atrás de uma bola, e apesar da destreza do condutor, o atropelamento foi inevitável. A vítima faleceu no local. O motorista foi inocentado, contribuindo para esse ato de justiça o depoimento do passageiro e de pessoas que presenciaram a lamentável ocorrência. Naquela época, os candidatos a chauffeur amador e chauffeur profissional eram examinados por uma banca presidida pelo Intendente (Prefeito), tendo como membros Joaquim Moreira Alves dos Santos (Nhozinho Santos) e o engenheiro eletricista Antonio Nogueira Vinhais, sendo que os três examinadores assinavam as carteiras dos aprovados. Com a eclosão da 1ª Guerra Mundial, ficou prejudicada a importação de veículos europeus, surgindo a oportunidade para que os fabricantes da América do Norte colocassem aqui suas “máquinas’, conquistando o mercado. Em 1927, os entusiastas do automobilismo obtiveram permissão legal para organizar corridas de automóveis, e a praia do Olho d’Água foi o local escolhido para as disputas. Das primeiras competições realizadas, em 21 de agosto, 18 de novembro e 4 de dezembro, apresentaram-se veículos das marcas Willys Knight, Buick, Overland Six, Chevrolet e Studebaker, entre outras. A maior velocidade foi de 110 quilômetros, desenvolvida por um Buick Master, motor de 6 cilindros e 70 HP, pilotado por Wilson Nova da Costa, que recebeu como prêmio uma medalha de ouro oferecida pelos concessionários J. Aguiar & Cia. As duas primeiras chauffeuses de São Luís, Maria José (Zezé) Jorge e sua irmã Gracinha Jorge Martins, em 1930 passeavam pela cidade dirigindo seus automóveis Bentley e Plymouth. Na década de 30, os veículos de maior representatividade eram o Bentley de Zezé Jorge, a limousine Buick Eight, carro oficial do interventor federal Paulo Ramos e a limousine conversível Fiat, de Gracinha Gândra Pereira. No pós-guerra destacaram-se os top de linha famosos como o Lincoln Continental, do industrial Alberto About, o Chrysler conversível, do médico Nunes Freire, e os Cadillacs “rabo de peixe” do industrial Eugênio Barros e do comerciante Paulo Abreu. O automóvel, outrora símbolo de status do seu proprietário, foi se transformando num indispensável meio de transporte para as famílias. Depois de mais de 100 anos da chegada do primeiro automóvel ao Maranhão, circulam pelas ruas e avenidas de São Luís, segundo dados oficiais, mais de 200 mil veículos. Joaquim Moreira Alves dos Santos, o “Nhozinho Santos”, além de ter sido o introdutor do automóvel no Maranhão, foi também pioneiro de muitas outras novidades. Era filho de Ana Joana Moreira Neta dos Santos e do imigrante português Crispim Alves dos Santos, então proprietário da Companhia Fabril Maranhense, de casa comercial na Praia Grande, principal acionista e diretor do Banco Hipotecário e Comercial do Maranhão, co-fundador da Companhia Telefônica do Maranhão, vice-presidente da Associação Comercial e vice-cônsul honorário de Portugal. Nhozinho Santos casou-se com Amália Carvalho Branco dos Santos, com quem teve seu primeiro filho, Crispim Alves dos Santos Neto. Enviuvando, contraiu segundas núpcias com Maria Sousa dos Santos (Dona Cotinha), nascendo José Sousa dos Santos, seu segundo filho. Com o falecimento prematuro do pai e, poucos anos depois, do seu tio, João Alves dos Santos, Nhozinho Santos assumiu a direção dos negócios da família, dirigindo todos os empreendimentos com largo descortino, até que, no final dos anos 20, desligou-se das empresas, transferiu a direção das mesmas aos seus irmãos Manuel (Maneco) e Antonio (Totó) e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde residiu por muitos anos num enorme casarão na Rua Xavier da Silveira, no então elegante bairro de Copacabana, até o seu falecimento."
FOTO:
Nhozinho Santos em seu automóvel; Gaudêncio Cunha, Revista do Norte, 1905.
FONTE:
http://www.comunidadelusobrasileirama.org.br/noticias/primeiro_automovel.html